(Português) Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2011
Eduardo Sá
Mais um dos grandes projetos urbanos previsto para a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro vai remover moradores de comunidades de baixa renda de suas moradias. Esse é o caso da favela Largo do Campinho, em Madureira, zona norte do Rio, que está no traçado da Transcarioca, via que vai ligar a Barra da Tijuca ao aeroporto internacional Tom Jobim. As obras, que estão avaliadas R$ 1,3 bilhão custeado pelo Governo Federal, começam neste mês e devem ser entregues pela prefeitura antes da Copa de 2014.
A secretaria municipal de Obras informou que os 39 quilômetros de extensão vão reduzir em mais de 60% o tempo gasto no trajeto, que terá ao todo 45 estações do BRT, ônibus que circulará em faixa exclusiva. No Largo do Campinho, que fica em movimentado entroncamento das avenidas Intendente Magalhães e Cândido Benício e as ruas Ernani Cardoso e Domingos Lopes, será construído um mergulhão para o corredor expresso.
Cerca de 50 moradores fizeram um protesto na última quarta-feira (02/02) nas ruas em frente à comunidade, com faixas e cartazes afirmando que estão sendo removidos arbitrariamente de seus imóveis. Além da comunidade do Campinho existem também no local as do Fubá e Divino, cujo complexo fica atrás de dez prédios que o prefeito Eduardo Paes resolveu destombar para realizar o projeto. Os imóveis fazem parte do entorno do Forte Nossa Senhora da Glória do Campinho, uma das primeiras fortificações construída no século XIX para proteger a antiga Estrada Real de Santa Cruz.
Agentes da prefeitura foram com um caminhão para fazer a mudança dos moradores. Essas pessoas estão indo para conjuntos habitacionais em Cosmos, na zona oeste, que fica a mais de 1 hora do Campinho, contemplados no Programa Minha Casa Minha Vida. Aproximadamente 20 das 60 famílias já toparam sair da comunidade. Muitos moradores relataram que a secretaria municipal de Habitação foi no meio do ano passado ao local para tirar fotos, pegar documentos e medir os imóveis, e prometeu a indenização das casas. Em novembro começaram as pressões para remoção: sem cadastrar nem consultar ninguém, disseram os moradores.
Nesse mesmo período o subprefeito da região fez uma reunião com os moradores, na qual havia prometido, também segundo os moradores, a quitação da casa que eles fossem reassentados. No contrato, que os reassentados se queixam de ser só assinado em Cosmos já com as mudanças, consta que os moradores têm que pagar R$ 50,00 por mês. Muitos ainda criticam que em caso de inadimplência de três meses eles podem ser retirados do apartamento, e no Campinho muitos moradores recebem bolsa família e sequer têm uma fonte de renda.
A secretaria municipal de Habitação, por sua vez, informou que “essas famílias estão sendo reassentadas para a execução de uma obra de grande interesse público e que terá impacto direto na melhoria da qualidade de vida dos cariocas”.
“Os imóveis de sala, dois quartos, banheiro, cozinha e área de serviço ficam em condomínio na Avenida Cesário de Melo, uma região já dotada de meios de transporte e que ficará ainda mais bem servida com a implantação dos novos corredores de transporte público via BRTs (Bus Rapid Transit). As famílias que serão reassentadas para a construção da Transcarioca não terão que pagar nada pelos imóveis”, destacou a secretaria, por meio de sua assessoria de comunicação.
Luciana França, de 24 anos, é uma das moradoras que está resistindo. Ela acabou o ensino médio e é manicure, mora com o pai, que está no Campinho há 32 anos e tem uma loja que faz placas e faixas ao lado de sua casa. Segundo ela, muitos moradores vão perder o comércio e essa desapropriação está sendo feita de maneira ilegal.
“Na lei orgânica do município, a 429, fala que toda família removida tem que ser reassentada próxima. Isso não está sendo cumprido, porque a nossa comunidade vai ser reassentada em Cosmos, que são 18 estações de onde a gente mora. É mais de uma hora de viagem. Pessoas já perderam o emprego, crianças perdendo o ano letivo, pessoas de idade que vão perder tratamento no posto médico, e outras que estão desempregadas não vão poder pagar as contas que tem nesse apartamento. A gente não tem acesso ao contrato, não pode levar o advogado nem a defensoria pública. Eu não vou sair, só saio daqui quando eu for prévia e justamente indenizada ou reassentada próxima”, disse.
A moradora também destaca que o seu direito de possuidora tem que ser respeitado, pois ela não pegou o imóvel por meio de força. “Eu cheguei num imóvel que foi abandonado pelo dono e não foi requerido em nenhum momento pela prefeitura, só agora. Eu sou obrigada a votar, mas não tenho o direito de escolher aonde viver? Se esse apartamento da Caixa vai ser financiado, eu tenho o direito de escolher aonde é que eu vou viver, eu vou pagar. Está errado, tinha que me dar de graça, porque esse aqui eu não pago nada e a lei diz que é meu”, concluiu.
Muitos moradores se queixam da pressão e chantagem da prefeitura. Existem muitas crianças, entre elas algumas especiais, e idosos na comunidade. O abalo psicológico dos moradores é visível, inclusive pessoas idosas foram internadas. Uma casa foi demolida, deixando casas ao lado em risco. Em caso de pessoas que têm animais, os bichos terão de ser sacrificados ou abandonados, pois não podem ser levados para o conjunto habitacional. Várias famílias sobrevivem vendendo água e mercadorias nos sinais de trânsito das redondezas, e a informação obtida pelos moradores é de que aqueles que têm um estabelecimento comercial não terão o seu imóvel indenizado pela prefeitura.
A assessoria de comunicação do subprefeito respónsável pela região, André Santos, afirmou que é feito sempre um cadastramento das famílias pela Secretaria de Assistência Social, antes que haja qualquer remoção.
“Neste cadastramento é determinado um proprietário por imóvel. Uma vez determinado quem é o proprietário, este vai receber o aluguel social ou vai ser diretamente removido, dependendo da situação. As pessoas reassentadas nos conjuntos habitacionais pagam uma quantia simbólica de 50 reais mensalmente. E a prefeitura, junto com outros órgãos, faz de tudo para minimizar esta mudança. Por exemplo: tenta facilitar a questão do transporte, tenta colocar os filhos estudando em boas escolas mais próximas do conjunto habitacional. Enfim, estas são medidas para dar qualidade de vida para essas pessoas, que agora vão ter uma casa em um condomínio que tem toda a segurança necessária”, declarou a subprefeitura da zona norte.
A defesa dos moradores
A defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro foi acionada pelos moradores em novembro de 2010 para instruí-los. De acordo com Marília Farias, defensora do Núcleo Terras e Habitação, o município ajuizou essas ações de desapropriação contra os proprietários só que muitos deles desapareceram há décadas. Ela também observou que falta diálogo e transparência nesse processo de reassentamento, pois as pessoas não têm acesso aos contratos que só podem ser lidos após o morador aceitar a proposta de ir para Cosmos.
“Eles abandonaram os imóveis, que foram aos poucos sendo ocupados por essas famílias que têm a posse há mais de 30 anos. A gente entende que esses possuidores fazem jus à indenização tal qual o proprietário do registro faria. A postura do município é simplesmente varrer as pessoas das comunidades e mandar para o mais longe possível”, explica Marília.
A defensora também ressaltou que a oferta da prefeitura para Cosmos não atende às necessidades das pessoas, porque elas moram no local há muito tempo, as crianças estão matriculadas nas escolas da região, e os empregos das pessoas são em localidades próximas, então a desestruturação da vida dessas famílias vai ser muito grande com essa oferta.
“Estamos tentando, em termos jurídicos, incluir essas famílias no pólo passivo dessas ações de desapropriação, porque elas são dirigidas apenas aos proprietários. Estamos tentando fazer essa inclusão justamente para batalhar por essas indenizações ou o reassentamento em local próximo, que é o que nos parece mais justo”, disse.
Ela ainda explicou que a prioridade no assentamento próximo se deve ao fato de a tabela, da época da gestão Cesar Maia, estipular valores muito baixos para a indenização. E os moradores que preferem ir para Cosmos estão sendo orientados, de modo a ter ciência de que estão indo com um ônus a pagar pela moradia, que só ao final de 10 anos se tornará sua propriedade.
“Então na verdade ele está deixando um imóvel que ele conseguiu construir na vida inteira, levando até 10 anos para conseguir levantar esses tetos, e não vai ter condição de pagar. Aqui na comunidade do Largo do Campinho muitas famílias são miseráveis, estão realmente abaixo da linha da pobreza, e não vão ter condições de arcar com esse ônus de morar longe, sem emprego, e com esse custo mensal. O que a prefeitura tem praticado é um sem número de arbitrariedades, tudo em prol dos mega eventos”, concluiu.
Fonte: Fazendo Media
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